ORIGEM DO PROJETO ELAM – ESTUDO DA LITERATURA E ARTE NA MEDICINA

No dia 17 de setembro de 2019 nasceu o ELAM (Estudo de Literatura e Arte na Medicina), composto por professores que sempre se reuniam antes das aulas de tutoria da Faculdade de Medicina do Centro Universitário Christus (Unichristus) para discutir literatura e o mundo da arte, breves 15 minutos de dinâmico embevecimento cultural e contemplação da beleza mais pura produzida pelo homem. Durante a despedida do semestre em 2019, o grupo resolveu abordar com os alunos questões referentes à literatura e à arte. O nome Elam surgiu da modificação da palavra “elã” que significa “inspiração, criatividade ou suspiro criador” ou ainda “princípio que explica a evolução da vida nas suas mais variadas formas”. A proposta era levar literatura e arte para a medicina, de modo a estimular os alunos a enriquecer a leitura, amadurecer a empatia e a ética, desenvolver melhor a coleta de história clínica do paciente, permitir o aprimoramento do raciocínio e conectar a vida com a arte. Pelo processo artístico e literário, os alunos aprenderiam a se comunicar melhor com os pacientes, por meio do desenvolvimento de informações sobre assuntos relacionados à cultura e à diversidade do pensar e viver.

Há uma tendência mais ampla na educação médica, que se tornou pronunciada na última década sobre a inserção da arte nas suas atividades educacionais. Cada vez mais, as escolas de medicina dos EUA estão investindo em currículo e programação em torno das artes. Os professores argumentam que o envolvimento nas artes durante a faculdade de medicina, seja por meio de cursos necessários ou atividades extracurriculares, é valioso no desenvolvimento de habilidades essenciais que os médicos precisam, como o pensamento crítico e as habilidades de observação e comunicação, bem como conscientização e empatia. Abordar uma grande variedade de cenários do mundo real, desde a tomada de decisões médicas até a ética. E nesta estrutura, há espaço para as artes do espetáculo, música, literatura e artes visuais.

Robert Rock, que estudou história de arte como graduação, tomou a iniciativa de desenvolver seu próprio passeio de arte pelo Yale Center for British Art. Sua turnê, chamada “Making the Invisible Visible”, foi incorporada ao currículo de Yale.

Em Columbia, os alunos podem fazer um curso de quadrinhos ministrado pelo Dr. Benjamin Schwartz, Professor Assistente de Medicina e Diretor Criador do Departamento de Cirurgia da Colômbia, que também é um cartunista contribuidor para o New Yorker. Em suas aulas de primeiro e quarto anos, os alunos aprendem a criar seus próprios quadrinhos e, no processo, obtêm insights sobre as diferentes vantagens para ver e entender as situações da vida real. Talvez o mais importante, eles aprendem a praticar histórias eficazes.

Na perspectiva dos estudantes de Medicina, os estilos de vida do ensino superior tendem a suprimir sua capacidade de dispor de seu tempo livre com a leitura de algum livro por lazer. Bill Noble diz “A prática da Medicina dentro de um contexto social é impossível sem o conhecimento da cultura”, o que poderia ser culturalmente mais instrutivo, conforme uma séria de estudiosos apontam, do que a Literatura e as Artes?

Com o acesso à literatura, o leitor é convidado a formular juízos sobre ações e eventos que ocorreram no enredo, portanto, criando crenças e valores éticos próprios.

Lazarus e Rosslynd explicam que experimentar as Artes pode facilitar a relação médico-paciente, por estimular visões mais aprofundadas sobre padrões de resposta exibidos por pacientes. Estes autores, ao conduzirem um estudo sobre um módulo de Artes na Escola Médica de Leicester Warwick, ficaram bastante surpresos ao descobrir que uma elevada porcentagem de seu grupo de alunos de Medicina “escreviam poesia, pintavam ou tocavam música de forma comprometida”. Adicionalmente, estes mesmos alunos afirmaram que um de seus principais interesses em participar do grupo em Humanidades Médicas foi para resgatar um antigo interesse que tinha sido deixado de lado, desde que entraram na Escola Médica. Os autores também demonstraram que esta foi uma maneira que os alunos de Medicina encontraram para “manter contato com um ‘eu’ que a formação médica não mais lhes deixava tempo para, e que sentiam em risco, uma vez que estava distorcido pelos constantes ‘fatos e números’ [a serem compreendidos e memorizados]”.

Nos E.U.A., onde a Medicina é estudada como uma disciplina de pós-graduação e uma proporção substancial dos alunos entram na Faculdade de Medicina após uma licenciatura anterior nas Artes Liberais, suas Escolas de Medicina ensinam Humanidades Médicas como rotina.

No Brasil, educadores médicos, como Dr Ricardo Tapajós da ESP, têm estado preocupados com a capacitação profissional apropriada e efetiva no campo da infecção pelo HIV/Aids, de forma que tratamento e cuidados possam ser oferecidos de maneira adequada, ética e humanizada. Com essas preocupações, o Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias DMIP da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, campus São Paulo FMUSP, tem oferecido regularmente dois cursos inusitados a seus alunos, sendo propostas que pretendem ensinar aspectos da Medicina por meio do ensino de Artes.

Os encontros são mensais para discussão de livros importantes da literatura mundial, ocorrendo as reuniões nas noites de terça feira. Recebemos durante o período alguns convidados que contribuíram para o enriquecimento intelectual do grupo, como Dr Estevão Portela Nunes da Fiocruz-RJ e Dr Alvaro Jorge Madeiro Leite.

Estávamos organizando uma atividade para produção em aquarela com os alunos, vinculada a um texto sobre suas produções ao final de fevereiro de 2020, quando tivemos nossa última reunião pré Pandemia pela Covid-19. Nesse momento, foi solicitado aos alunos que expressassem seus sentimentos e suas emoções da melhor forma por meio da pintura, e posteriormente eles produziriam seus textos.

No total, produziram-se 24 telas em aquarela. Antes do início da atividade, um dos coordenadores preparou um tutorial sobre como utilizar a tinta de aquarela e estratégias simples para conseguir tons e efeitos de textura. Durante duas horas, os alunos produziram as telas com as mais variadas temáticas. Após a realização da pintura, elaboraram-se os textos no transcorrer da pandemia. Os temas abordados nos textos foram principalmente: amor (N = 2), envelhecer (N = 2), pecado e religiosidade (N = 4), ciclo da vida (N = 6), câncer, caos, sabedoria, mortalidade (N = 3), tempo, olhar e ver (N = 2) e regionalismo (N = 2) (Figura 1).

Os 24 textos sobre as aquarelas foram reunidos e transformados em nuvem de palavras, refletindo as que mais prevaleceram (Figura 1). Por meio dos textos, o aluno pôde trabalhar uma estratégia de coping diferente, menos estressante, que lhe permitisse extravasar os sentimentos e as ansiedades para um grupo. O conceito de coping é derivado de duas abordagens: a primeira, vinculada à experimentação animal, refere-se ao comportamento de fuga e esquiva; e a segunda, relacionada à psicologia do ego, foca os mecanismos de defesa propostos pela psicanálise. Em uma visão mais integradora, o coping é explicado como um processo transacional entre a pessoa e o ambiente, em que as estratégias de enfrentamento têm as funções de alterar a relação entre a pessoa e o ambiente e adequar a resposta emocional ao problema.

A ideia do grupo Elam surgiu pela preocupação dos professores com a ética e o desenvolvimento da consciência e responsabilidade do aluno na graduação e com a futura relação médico-paciente. A perda de empatia tem sido descrita como mecanismo de defesa do estudante mediante seu confronto com realidades de sofrimento e dor dos pacientes a partir do terceiro ano de faculdade. Nossa preocupação também é proteger e manter a empatia dos alunos, de modo que, ao saírem para praticar a medicina, eles ainda sejam indivíduos empáticos. Alguns alunos se sentem confiantes com o currículo dos primeiros dois anos, mas experimentam maior estresse e ansiedade no início do terceiro ano, o que traz à tona a importância das habilidades interpessoais, habilidade em equipe e flexibilidade durante a rotação por várias especialidades da medicina. O terceiro ano também coloca, inevitavelmente, os estudantes de Medicina em contato com pacientes com doenças terminais. O terceiro ano da faculdade de Medicina foi estudado por Haglund et al. No estudo, muitos alunos relataram exposição a traumas, maus-tratos pessoais e péssimos role-models por superiores. A exposição ao trauma foi positivamente associada ao crescimento pessoal no final do ano, o que indica que os alunos tendem a ser resilientes. Em contraste, a exposição a outros eventos estressantes tornou os alunos vulneráveis ​​à depressão e a outros sintomas de estresse.

Coleman e Eso-Ahola, o lazer é capaz de gerar mecanismos de coping que ajudam o indivíduo a lidar com os problemas desencadeadores de estresse, assim como o esporte. As concepções de coping, decorrentes do lazer, têm um significado positivo para a saúde, repercutindo na redução dos níveis de depressão, estresse e ansiedade.

Paracelso já dizia: “Medicina não é apenas uma ciência, é também uma arte”. Ao combinar ciência e arte, a medicina pode ser prolífica na tentativa de investigar e compreender a vida humana como um todo, sem enfocar exclusivamente o estudo de suas partes constituintes.

Autores:

Melissa Soares Medeiros

Dulce Maria Sousa Barreto

Raquel Sampaio

Arruda Bastos

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